Memórias de alfabetização



Aprendendo a ler o mundo e as palavras


Como afirma Vygotsky:
“A aprendizagem não começa só na idade escolar, ela existe também na idade pré-escolar. Uma investigação futura provavelmente mostrará que os conceitos espontâneos são um produto da aprendizagem pré-escolar tanto quanto os conceitos científicos são um produto da aprendizagem escolar” (VIGOTSKI, 2001, p. 388, Apud COELHO, 2011). 

Aprendemos antes de adentrar na educação formal e levamos para esse espaço conhecimentos adquiridos anteriormente em nossa vida, adquiridos em nossas vivências. E ainda que:

"O desenvolvimento dos conceitos científicos na idade escolar é, antes de tudo, uma questão prática de imensa importância - talvez até primordial - do ponto de vista das tarefas que a escola tem diante de si quando inicia a criança no sistema de conceitos científicos "(VIGOTSKI, 2001, p. 241, Apud COELHO, 2011).

A escola tem uma importância vital em nossas vidas, e as relações que vivenciamos nela são determinantes para a formação de nossa personalidade; tanto aquelas experimentadas com nossos colegas, quanto aquelas que recebemos por meio dos mediadores formais.

É na escola que adquirimos os conhecimentos científicos acumulados pela humanidade desde a invenção da escrita, e até mesmo de muito antes, com o registro das antigas lendas que nossos antepassados narravam.

Minha relação com a leitura começou desde muito cedo. Quando pequeno gostava de ficar olhando para as páginas de revistas, livros e outros materiais informativos. 

Tive a oportunidade de ingressar na educação formal também muito cedo; aos 4 anos fui matriculado em uma pequena escola particular, logo após minha família regressar de uma fazenda para o pequeno arraial de Catingal. 

A escolinha mão no lápis era uma instituição privada, organizada por duas irmãs, onde trabalhavam com crianças de 4 anos; lembro-me delas nos ensinando as vogais e a contar até 10. Eles iniciavam as aulas de leitura colocando no quadro o alfabeto completo, destacando as vogais em ordem (a, e, i, o, u), para depois destacar as consoantes. Havia um processo de repetição e memorização das letras. 
Nós repetiamos letra após letra, sempre da ordem alfabética. 

Não me lembro delas passando atividades em material impresso; quando eram propostas atividades, geralmente consistiam somente na repetição das letras. Não aprendi a ler nessa instituição, mas lembro-me de recitar perfeitamente o alfabeto, o que me cativava muito. Gostava de cantar a musiquinha do ABC, incentivada pela instituição.

Minha escolinha de alfabetização era um pequeno cômodo ao lado da Primeira Igreja Batista da cidade. Não haviam pavilhões suficientes para todas as turmas da educação fundamental I, uma vez que, só existia um único prédio para abrigar as instalações escolares. 

Minha professora de alfabetização era uma mulher frenética, cheia de energia e alegria, que amava brincar e nos incentivava a estudar.

Não me lembro de muita coisa referente a esse período específico da minha vida, recordando-me de apenas alguns poucos aspectos que valem a pena serem destacados para esse memorial.

Para nos ensinar a ler e a escrever, minha professora nos apresentou as letras do alfabeto; primeiro as vogais em ordem alfabética (A, E, i, O, U), para depois nos apresentar as consoantes. 

Ela utilizava alguns materiais para auxiliar em sua aula, como pequenas cartilhas/caderninhos com as letras do alfabeto e figuras cujo nome iniciava com a letra em destaque; livros para recortar e colar formando sílabas; atividades de caligrafia confeccionadas em um mimeógrafo, que consistiam basicamente em cobrir a letra em destaque. 

Ela colocava alguns papéis na parede contendo as letras em ordem alfabética e logo abaixo uma imagem referente a letra em destaque. As atividades de caligrafia também poderiam ser aplicadas no caderninho, para serem feitas em casa. Um instrumento que quase toda sala tinha era a centopeia do alfabeto; uma centopeia cujos círculos que a formavam carregavam alguma letra; seu corpo carregava o alfabeto completo. 

Ela nos fazia repetir o alfabeto em voz alta, dando especial ênfase nos sons das letras. Não aprendemos os nomes das letras até a terceira série. Recordo-me de ter um grande espanto quando ouvi minha professora falando /éfe/ ao invés de /fê/. 

Após esse processo, eu conseguia ler palavras simples como “bola” e “casa” sem a ajuda dos adultos, como também frases curtas como “o sapo pula”. Não conseguia ler perfeitamente frases maiores, gaguejando constantemente. Aprendemos também algumas famílias silábicas; lembro-me dela nos ensinando o Ba/Be/Bi/Bo/Bu. Até então não tínhamos atividades mais complexas referentes a isso, consistindo na repetição oral das famílias silábicas. 

Minha segunda professora também seguia um modelo parecido; ela também colocava na parede pequenas cartilhas com as letras. Tivemos contato com livros de contos de fadas e fábulas que eram lidos pela professora. Ela nos pedia para ler em voz alta para toda a turma algumas pequenas histórias. Também trabalhamos com a caligrafia, mantendo as atividades para cobrir as letras. Ela nos pedia para construir pequenas frases. Ainda repetia-mos o alfabeto em voz alta. 

Minha alfabetização na rede pública de ensino da região se findou na segunda série. 

Agora nos foi ensinado a diferença entre as letras maiúsculas e minúsculas, escritas em forma de fôrma, cursiva e imprensa. Logo após, nos foi apresentado às famílias silábicas e suas irregularidades, como Ca/Co/Cu e Ce/Ci. Já líamos e escrevíamos relativamente bem e, gostavamos de fazê-lo. 

Não consigo determinar qual o método utilizado por minhas professoras; porém, com sua metodologia, começavamos com as vogais, após as consoantes, a formação e apresentação das famílias silábicas, para então chegar nas frases e textos. Isso o configura como um método sintético, que segundo Mendonça (2011, p.28) são caracterizados por partirem:

“da unidade menor rumo à maior, isto é, apresentam a letra, depois unindo letras se obtém a sílaba, unindo sílabas compõem-se palavras, unindo palavras formam-se sentenças e juntando sentenças formam-se textos. Há um percurso que caminha da menor unidade (letra) para a maior (texto).”

Ela nos incentivava a ler, nos apresentando livros diversos, como contos, livros didáticos, quadrinhos, entre outros. Não tínhamos muitos recursos, o que dificultou muito esse processo de aproximação com o mundo da leitura, mas minha professora nunca deixou de nos mostrar que aprender a ler e a escrever é fundamental para viver em sociedade.

Referencias: 

1. COELHO, Sônia Maria. A importância da alfabetização na vida humana. In: Universidade Estadual Paulista. Pró Reitoria de graduação. Caderno de Formação: formação de professores Didática dos Conteúdos/ Universidade Estadual Paulista. Pró Reitoria de graduação; Universidade Virtual do Estado de São Paulo. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. V.2. cap.1, p. 15.

2. MENDONÇA, Onaide Schwartz. Percurso Histórico dos métodos de alfabetização. Universidade Estadual Paulista. Pró-Reitoria de Graduação Caderno de formação: formação de professores didática dos conteúdos /Universidade Estadual Paulista. Pró-Reitoria de Graduação; Universidade Virtual do Estado de São Paulo. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. v. 2, p. 28.

[1]Imagem de PublicDomainPictures por Pixabay 
Modificações minhas




Comentários

  1. Oi Luis,
    Você descreve de forma bem clara sua história na aquisição da lecto escrita. Entretanto, senti falta quando você traz a questão da repetição e abordagem mecânica da escola, você não fundamentar. Isso tornaria mais rico seu memorial.
    Outra coisa é a formatação...não é necessário você colocar os tópicos apresentação, conclusão etc. bastaria você narrar. Parabéns

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  2. Luís, parabéns pela trajetória, pela narrativa. O processo de alfabetização é um momento único. De fato, existem muitos educadores agarrados a prática do ba be bi bo bu, sem significado social para a criança, como destaca Freire e o método sociolinguístico. Mas que bom que conseguimos romper diante do ensino tradicional que não pode ser classificado como ruim totalmente, mas sim, enquanto seu modo linear e instrucionista. Fico feliz em perceber que você se baseia muito em Vigostky. Parabens pela escrita, seu blog está lindo!

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